Frente de Esquerda:“Agora se trata de derrotar Sarkozy”
Neste domingo (06), a França vai às urnas. Francois Hollande,
do Partido Socialista, e Nicolas Sarlozy, candidato à reeleição. Para a
esquerda, a opção é derrotar Sarkozy, direitista e imperialista, para
frear a política que leva o país ao abismo. Na última sexta-feira na
Praça de Stalingrado, em Paris, Jean-Luc Mélenchon, candidato da Frente
de Esquerda, que obteve 4 milhões de votos, reuniu uma multidão para
declarar o voto da coalizão. Leia a íntegra de seu discurso.
Baixem as bandeiras, para que eu possa vê-los!
Caros amigos, caros camaradas. Mais uma vez, vocês respondem ao chamado
das organizações da Frente de Esquerda. Quero lembrá-los, mais uma vez,
nesta praça dos mártires de Stalingrado, que aqui nos reunimos no
primeiro comício das eleições presidenciais, e também no último dos
comícios daquela campanha.
Voltamos a esta praça hoje, porque é importante que todos vejam, em toda
a França, que a força que constituímos não foi aglomeração de
circunstância, mas um grande movimento, educado, politizado, que assume
conscientemente uma via capaz de, de modo disciplinado, mostrar o que é
direito de todos esperar de nossa revolução cidadã.
No dia 22 de abril, pelos votos que recebemos e por nosso trabalho
paciente – e não só o meu trabalho, que não é o mais importante –, mas
pelo trabalho de milhares e milhares de vocês, militantes, homens e
mulheres, além de outros, dos muitos de nós que, pela primeira vez na
vida, envolvem-se numa batalha política. E se dedicaram a buscar cada um
o seu vizinho, a sua vizinha, para explicar e tornar compreensível para
eles as raízes da infelicidade que desgraça o mundo.
E cada um que, também na vida profissional, se dedicou a mostrar –
desafiando a propaganda que repete, sem parar, sempre o mesmo discurso
alucinado –, que o problema da França não são os imigrantes. Porque o
problema da França são os banqueiros!
E todos que trabalharam, com a paciência que é própria do povo, desde
que se põe em movimento, e com a inteligência dos muitos, quando ele
busca ir iluminando progressivamente as trevas do preconceito, o
obscurantismo do egoísmo social.
Com nossos votos, constituímos juntos uma força imensa! Quatro milhões
de votos reuniram-se em torno de nossa candidatura comum. Nada menos que
três quartos, do avanço da esquerda vem de nós!
Hoje, seria absolutamente impossível pensar em qualquer tipo de vitória
da esquerda, se vocês não tivessem feito, todos vocês, esse trabalho
paciente e obstinado, ao longo do qual vocês, com muita razão, tantas
vezes se impacientam.
Em metade das cidades de mais de 150 mil habitantes, a Frente de
Esquerda alcançou seu objetivo de passar à frente dessa força maléfica e
obscura que é a Frente Nacional. Nas cidades populares, em toda a
parte, ficamos na frente, por milhares e milhares de votos populares,
nas cidades, nas vilas distantes, estamos à frente.
Essa força aí está, e não é constituída em benefício de um homem ou de
um partido, ela não é constituída para olhar o próprio umbigo, ou para
meter-se em disputas de obscuras comparações de adjetivos ou batalhas de
vírgulas, mas para pesar sobre a realidade, para tomar a história no
momento em que ela vacila e fazê-la andar na direção que nós
determinamos que ela vá, custe o que custar. E tem de ser assim, se
quisermos afastar de nós a dupla catástrofe do fascismo que se organiza
em toda a Europa e a catástrofe da mudança climática, a catástrofe
ecológica que nos ameaça e contra a qual ninguém dos que mandam no mundo
faz coisa alguma.
Somos todos coletivamente responsáveis por essa força. E agora, ataquemos o assunto principal, por difícil que seja.
A primeira responsabilidade que temos é a responsabilidade ante nós
mesmos, precisamente em relação à força que constituímos. Nós nos
devemos, uns aos outros, o respeito, que é condição de nossa união. Se é
verdade que a maioria de nós já decidiu sobre o voto essencialmente
importante de domingo, também é verdade que muitos de nós ainda pensam,
hesitam, e têm nobres razões para hesitar.
Nosso ponto de vista e o modo de falar uns aos outros não será a
demonização, o pôr contra a parede, a estigmatização, mas o trabalho da
razão e do convencimento. Só assim continuaremos a ser a grande força
que somos. Não há outro chefe entre nós, que o dever que a consciência
nos dita.
É indispensável essa reflexão aprofundada que nos aguarda neste fim de
semana, talvez com nossos filhos, se nos perguntarem, pedirem conselhos,
se quiserem compreender o que faremos, dado que eles não votam. É a
reflexão de cada um, cada uma, na cozinha de casa, na sala de casa,
antes de votar e fazer sua profissão de fé, porque essa reflexão o
levará a tomar partido, e, assim, transformará cada um, cada uma, de
dentro para fora, quando escolhe o futuro que cada um propõe para todos.
Preparar o próprio voto é ato de imensa significação humana, filosófica
e política. É unir-se à comunidade humana, declarando que se partilha
do interesse comum. Por isso é tão importante pensar bem o próprio voto.
Por isso lhes digo que a primeira reflexão é apelar ao senso comum. O
voto é, antes de tudo, voto de ação, determinado a pesar sobre os
acontecimentos. O voto não existe para manifestar alguma sensibilidade
ou alguma inclinação pessoal.
É preciso que assim seja, porque eles tentarão nos desmobilizar.
Não duvidem, nem por um segundo: eles já compreenderam muito bem o que
resultará da derrota que temos de impor a eles. Já compreenderam muito
bem que o voto do povo nesse momento não é um cheque em branco, não é
ato votivo, mas, ao contrário, é um élan, um impulso, um momento no qual
a força se acumula para projetar-se, para lançar-se para o futuro.
Peçam, exijam contas dos que têm obrigação de prestar contas, e apertem a
garganta dos poderosos de hoje!
Vejam, meus amigos, como, às vezes, uma hesitação pode ter consequências
importantes, não previstas. Pensem no colega de trabalho, no conhecido,
na amiga, na conhecida da cidade, num familiar, um desses que foram
atraídos pelo projeto que apresentamos, pelos meios que mobilizamos,
pela poesia que pusemos em ação no nosso projeto, em todas essas belas
coisas que fazem sonhar, não no sentido do delírio, mas sonhar no
sentido de dar vontade de pôr-se em ação. Pensem em todos esses que,
depois, no último momento, ouviram a voz insidiosa dos que nos
caluniaram, tentaram nos diminuir: a voz do fantasma do voto ‘útil’.
Sim, sim, respeitamos a escolha deles, respeitamos a decisão deles,
compreendemos, sim, mas é preciso dizer: vejam bem, vocês, a
consequência do que fizeram!
Se tivessem nos ouvido, se tivessem vindo nos ajudar, quando os
convocamos, teriam posto Madame Le Pen e os outros fascistas, atrás de
nós. Sim, sim, vocês entendiam que estariam fazendo o melhor, votando
‘útil’, como supunham, para afastar de vez a Frente Nacional. Mas e
agora? Estão vendo o que fizeram? Fizeram exatamente o contrário!
De certo modo, o que vocês fizeram foi instalar a Frente Nacional num
pedestal confortável, e nos obrigaram a passar mais duas semanas sem
ouvir uma palavra sobre salários, ou sobre educação, ou sobre saúde, ou
sobre o lugar da França na grande batalha pelo destino humano ante a
crise ecológica. Mais uma vez, passamos dias e dias sendo embrutecidos
pelos ataques contra os imigrantes! Que insuportável tolice fizeram, que
não os levou a nada! Esses ataques nada fazem além de semear mais ódio,
mais feridas.
Por isso lhes digo, caros camaradas, que ainda não avaliamos
completamente a amplidão [daquele erro], porque, outra vez, o que
tivemos foi a estupidez bestial da máquina infernal da Frente Nacional e
suas máximas.
Alguém ainda poderia pensar que fosse só isso, mais uma vez, os feitos
de uma seita doentia, que já conhecíamos. E era isso, mas era muito
mais!
As mesmas palavras pervertidas foram repetidas pelo atual presidente!
Que validou o raciocínio mais imbecil que se ouviu! O presidente
repetiu, por exemplo, que os imigrantes seriam culpados do desequilíbrio
das contas sociais. A verdade é o contrário! Vocês sabem que, de fato,
eles dão 12 milhões de euros a mais, do que recebem! [Resistência!
Resistência!]
Homens e mulheres, dentro de poucos dias, vocês serão chamados a eleger
seus deputados. Digo-lhes que, outra vez também, é a mesma coisa. Pensem
bem no que fazem. E que, dessa vez, tratem de ir na direção da
insurreição de esquerda!
Aqui está a jovem guarda da esquerda! Os jovens, os que marcham, os que
lutam. Mais uma vez, todos os que sofrem e lutam na França têm todo o
direito de estar representados na Assembleia Nacional. Ponhamos lá esse
grupo forte, disciplinado, obstinados, que jamais cedem!
Porque somos todos, vocês e eu, corresponsáveis pela força que
constituímos juntos. Convoco, em nome de vocês, todos que nos escutam e
confiam em nós: mostrem-se, apareçam nesse novo episódio da batalha, com
responsabilidade. Ser responsável não é renunciar aos seus objetivos.
Ser responsável, ao contrário, é tomar a peito a parte do futuro que
depende de cada um.
Na França, não se faz coisa alguma na esquerda sem nós. E, conosco, tudo é possível.
Dirijo-me a vocês com as mesmas palavras, os mesmos objetivos
inalterados, do primeiro dia. Não temos de pedir licença a ninguém para
nos mobilizar para derrotar Sarkozy. Não precisamos da permissão de
ninguém, de nenhum ator, de nenhum acordo no quadro da 5ª República,
para alcançar nosso objetivo que, de qualquer modo, começa por arrancar a
direita do poder.
Combatente da 6ª República, ninguém se poderá dizer partidário da
partilha da riqueza, do salário mínimo de 1.700 euros, do planejamento
ecológico-econômico, da saída da França da corte dos EUA e da Otan, não
poderemos fazer nada disso, se, primeiro, não arrancarmos Sarkozy do
poder.
Ainda uma palavra, que devemos distribuir a todos os demais. Convoco
todos a assumir a responsabilidade de cada um, caros camaradas, a
assumir a responsabilidade de cada um, na história. Estamos escrevendo
uma página da história da esquerda, reconstituindo, pela primeira vez
depois de 30 anos, a outra esquerda, e presente, contando-se aos milhões
os que aqui se reúnem.
Essas imagens que correm o mundo, de nossos comícios gigantes, de nossas
bandeiras vermelhas, geraram mensagens de apoio de toda a Europa. E nos
ajudam a pensar.
Decidimos derrotar Sarkozy e, para isso, votamos em Hollande. E, ouçam
bem. Precisamos de uma grande, de uma ampla derrota de Sarkozy. Quanto
maior for, mais forte o impulso que dela resultará.
Li o que disse o companheiro Oskar Lafontaine, líder do partido “A
Esquerda” alemão, que não hesitou em dizer que, se derrotarmos Sarkozy,
provocaremos um terremoto na Europa inteira, do qual todos precisam
muito.
Os operários e sindicatos alemães sabem que hoje 20% da população ativa
vive no limite da linha da pobreza. Sabem que os níveis de pleno
emprego, como dizem, na Alemanha, só existem, porque já há lá uma
legislação que Sarkozy tenta implantar aqui. Por essas leis, se o
empregado recusa o emprego que lhe seja proposto, perde o direito a
qualquer tipo de indenização e, portanto o empregado é condenado ao
subemprego.
Em outubro, os alemães votarão. A esquerda alemã não conseguiu construir
candidato à presidência, e observam muito atentamente o que estamos
fazendo aqui. Estarei lá, naquela batalha, como, depois, estarei também
na Grécia. Os companheiros gregos já disseram que precisam do que
estamos aprendendo na França, para que a esquerda também lá vote em
massa!
Os irlandeses também votarão, em maio, um referendo, para decidir se o Tratado Europeu deve aplicar-se lá, ou não.
Camaradas, companheiros, amigos, franceses, vocês estão sendo convocados
para resgatar todos os povos de toda a Europa! Cumpriremos nosso dever!
Nossa autonomia duramente conquistada, por uma política inflexível que
anuncia seus objetivos e não os abandona pelo caminho, brota do nosso
programa, que tivemos a sorte de discutir e construir ao longo do tempo,
instrumento de nossa autonomia.
Por tudo isso lhes digo que a Frente de Esquerda estará no poder dentro de dez anos. O que não significa que demore dez anos!
Não teremos de esperar dez anos, porque seremos convocados aos nossos
postos de combate bem antes disso. Já recebemos a mensagem da Europa: e
ela vem, se bem a compreendo, da pior direita europeia, ao futuro
presidente da França, seja quem for, e esperemos que seja François
Hollande, não Nicolas Sarkozy.
A mensagem vem do dito presidente da União Europeia e vem também do
banqueiro do Banco Central Europeu: a política de austeridade é o centro
de qualquer política aceitável na Europa. Significa que a batalha
começará na segunda-feira, de manhã cedo.
Se tivermos derrotado Sarkozy, só haverá duas vias possíveis: capitular ou resistir. E para resistir, estamos prontos!
Camaradas, nossa força implica nosso dever. O dever político não pode
ser moralmente partilhado. Não se pode entregar o trabalho a outro. Cabe
a cada um, como adulto responsável, lúcido, consciente, fazendo
política, não profecia, tomar seu título eleitoral e votar. Essa a
tarefa, esse o dever moral de quem queira olhar-se no espelho e dizer:
fiz o que tinha o dever de fazer.
Não somos essa espécie de animal vociferante, como os energúmenos
reunidos como tropa de muares em torno de Madame LePen, que, em 40 anos,
serviram para rigorosamente nada, além de disseminar ódio entre o povo e
fazer as pessoas detestarem o vizinho, o próximo.
E vejam só, essa nada! Quando chega o momento de decidir, o que ela
decidiu? Nada. É cúmplice do sistema, que o faz durar, durar, durar,
para nunca acabar! Quanto antes nos livremos disso, quanto antes
poderemos responder às perguntas que se impõem aos nossos povos e ao
nosso continente.
Domingo, quando usarmos nosso voto, saberemos que nos livramos de dois, pelo preço de um.
Domingo, então, temos esse dever. E imediatamente depois, começa a batalha pelas eleições legislativas.
Ainda não sei, porque ainda não tivemos tempo de decidir sobre isso,
qual será minha participação pessoal nesse combate geral. O que sei é
que é mais fácil para mim voltar ao meu velho posto de combate, que me
foi confiado. Mas, dessa vez, como das outras vezes, irei aonde o dever
mandar que eu vá.
Espero que outros da minha geração respondam ao meu apelo e comportem-se
como devem, em relação à geração seguinte, como é nosso dever hoje.
Sejamos, amigos, camaradas, os guias que levem os demais pelas trilhas
que haja, difíceis, se forem difíceis, sem nos dividir, sem perder o
foco. As trilhas difíceis são perigosas, sim, mas são mais rápidas,
porque são menos frequentadas.
Sejamos a luz que ilumina o caminho, mas, sobretudo, os que passam o
bastão, a chama, a bandeira, nossa bela bandeira vermelha que se agita
ao vento da nossa pátria comum.
É muito provável que eu participe da batalha legislativa, talvez em
Paris, talvez em Marselha. O resultado não me ocupa nem preocupa. Cuido
sempre mais do combate, que do resultado.
Falo a cada um de vocês. Nos reunimos, porque há um rito a cumprir. É
importante que todos se vejam aí, e que outros muitos, nos lugares mais
distantes, mais isolados, os vejam aí, como sardinhas em lata, para que
se sintam muitos, apoiados, amparados pela solidariedade dos camaradas,
essa nossa força de idades tão diferentes, das profissões mais variadas,
com tantas e diversas esperanças, todos empenhados em dar o melhor de
nós, à luta pelo bem comum, em todos os serviços, em todas as
profissões, seja qual for o lugar que ocupamos na sociedade.
Todos, ajudem a França a virar essa página!
Se não o fizermos, a vergonha será enorme. Se torcermos o pescoço a esse
horror chamado de “LePenização” da direita, conseguiremos demonstrar
que, numa eleição, não vale a pena comportar-se como grande fascio.
O povo francês aspira a uma unidade de fraternidade e recusa-se a apontar o dedo acusador ao vizinho, por sua religião.
Espero que o que teremos de lutar aqui terá efeitos por toda a Europa. O
“basta” que diremos aqui ecoará por toda a Europa. E fará andar avante o
movimento de todos os povos europeus que lutam contra a miséria. Sei
que virar a página não basta.
Também sinto, como vocês, que a história é lenta, é cruel, mas viraremos
essa página, porque, assim, teremos cumprido a primeira etapa do que
temos de fazer para começar a escrever a história, nós mesmos.
Viva a República! Viva a França! Viva a República Social!